Pausa Literária com o Professor Farelo l #01 l Colégio Loyola
Casei-me
por engano, por insistência de um vendedor de livros. Ou ele me conquistou com
as primeiras palavras?
Já
nem lembro muito daquela tarde, depois de tantos anos também, não é mesmo?
Ele
ligou uma vez, outra, outra e na última, não aguentei e rabujei:
“O
senhor já ligou pra cá um montão de vezes. Cansa não?”
O
homem mudou o tom de voz, derretendo-se em desculpas e acabou raptando toda
minha atenção para seu trabalho, paixão pelos livros que vendia, divulgava.
Amor pela vida e o arco-íris tem mais que sete cores e ... não resisti.
“Não
precisa desligar agora, continue”.
Conversamos
por mais umas duas horas no antigo e caro telefone fixo.
Ao
final, fui certeira que nem flecha:
“O
senhor é casado?”
Ele
me deixou vermelha com um delicioso “não”.
“Então,
pode ligar a hora que sentir vontade”.
Estamos
ligados há quase quarenta anos”.
... farelos por aí ...
Cena do filme Cantando na chuva |
Narciso, pintura de Caravaggio |
No ano passado, seu vidro beijou o chão e trincou.
Na semana passada ele simplesmente parou. Talvez esteja cansado de tudo, entediado com todos, não queria mais registrar os meus restos de tempo, nem minhas migalhas de credo.
Tic-tac — Tic-tac.
Pare de ler essas minhas palavras em silêncio.
Pare de olhar para essas linhas, pensando que é alguém que lhe escreve.
Não estou nem aí pro que você vai pensar depois de terminar de ler minhas impressões, eu saí do retângulo, das batidas mecânicas dos ponteiros, misturei-me aos números, nas horas, a hora de parar com a leitura pode ser agora, mas você que me lê até aqui vai pensar que estou maluca, esquizofrênica, essas palavras de polêmica são para que você dê um solavanco no banco de praça que não senta, na graça que não se apresenta.
Sessenta segundos e vá às favas seu contentamento que cimenta meus sentimentos.
Não era para terminar assim, não era pra você chegar até aqui, não era a era de uma vez, de um relógio com as partes sem partes...a arte do descarte, vou vazar.
Tic-tac.
Meu laço é com a poesia das ruas, a cor dos muros, o silêncio dos pássaros sem gaiola.
Quebre esses espelhos, quebre esses vidros, amasse essas imagens que se multiplicam e vire.
Desloque essas luzes pra dentro do escuro que há em ti, vive em nós.
.. farelos por aí ...
Em poucos minutos, desenrolou o enredo para nós e avisou: “Vou escrever a dica e depois você vai postar no blog, tá?”