- Que papo é
esse que você lê menos livros que a gente?
Por um tempo, eu cansei de explicar os motivos, as razões. Então, decidi escrever esta crônica na ilusão de deixar registrado esse meu perfil sincero a respeito da quantidade de títulos.
Que fique claro desde já: eu ostento a leitura, mas nunca a quantidade de livros. Convivo com alguns estudantes que são leitores assíduos, estão com hábito consolidado, que leem mais de 50 livros por ano.
Não entrando
no mérito da velha questão da fábrica de tempo, reconheço que a rotina deles
contribui bastante. Lá na minha adolescência, nas quebradas do Céu Azul,
recordo-me que até a derrota do Brasil para a França, na Copa de 1998, eu tinha
lido 44 livros.
Que fique
claro, meus heróis, de vocês eu tenho o maior orgulho e admiração. Tenho o
profundo respeito pela disciplina, pelo drible sinistro nas distrações das
redes sociais, o bloqueio nas fontes ridículas de liberação de dopamina das
telas. Sigam em frente!
Mesmo que de
forma inútil, antes de tentar discorrer sobre meu perfil de leitor-tartaruga,
gostaria de mencionar aqui a hipocrisia de alguns gurus das redes. Reconheço e
admiro o trabalho sério de muitos autores, professores, bibliotecários,
mediadores de leitura e livreiros nas redes, principalmente, no Youtube.
Aprendo muito com esses parceiros.
Por outro
lado, não vou dizer nomes, que você possa os identificar. Passo a tratar dos
gurus que leram-tudo e faço questão de crescer a lista de adjetivos: leitor-foguete,
leitor-sabe-tudo e a leitora-trem-bala. Desses, meus heróis, quero que vocês
mantenham distância.
– Hipocrisia não
é muito forte, professor?
Verdade. Picaretagem soa melhor. Os tais gurus só estão atrás de likes, de muitos e muitos comentários. São sempre os mesmos títulos que pairam na rede. Nem o leitor mais superdotado, com o maior tempo do mundo dá conta de ler e indicar tantos calhamaços em tão pouco tempo.
Minha sugestão: desconfie
desses gênios. Porque bem lá no fundo eles mal, mal leram algumas resenhas,
comentários de outros perfis. A leitura integral dos títulos que indicam não acontece.
Repito: eles só querem crescer nas redes sociais. Machado de Assis diria que
esses aí são uns “medalhões”, ilustres leitores de aparência. Será que eles de
fato leram os Papéis
Avulsos do Bruxo do Cosme Velho?
Agora, nesse
contexto de aceleração, da velocidade dos cliques, da rolagem da tela, dos shorts,
eu repito: sou um leitor lento. E cada vez mais importo menos com
a quantidade de livros.
Ah, talvez
quem sabe, comece a registrar o número de livros em função de um desafio que
tenho para você, leitor, ao final desta crônica.
Que fique
claro, novamente, eu ostento o processo da leitura. Quase sempre, estou lendo e
estudando ao mesmo tempo. Leio com marca-texto ou com canetas coloridas, lapiseira
2.0 e post-it colorido. Há livros que compartilho com os estudantes; os
teóricos/técnicos são para algum estudo específico e aqueles pelo bel-prazer de
buscar entender o processo de criação do artista. Isso tudo contribui para uma
leitura mais lenta e não faço questão nenhuma de mudar, por enquanto. Insisto.
Sem precisar
mentir, o tio serão aqui muitas vezes é visto como chato e eu não estou
nem aí. O lance é que tenho a consciência tranquila para falar só daquilo que li
ou estou lendo. E no processo eu vou cultivando meus processos, implementando meu
padrão. Como assim?
Ler no mínimo
dois livros, ao mesmo tempo, é um tanto quanto satisfatório. Para as narrativas
curtas (contos ou crônicas) leio nos intervalos das tarefas do dia a dia. Já para
as novelas, os romances e livros técnicos, preciso separar um momento específico
na agenda. Com isso, mesmo sendo tartaruga, sempre estou lendo e de verdade.
Nessa
manhã li duas crônicas do José Falero, presentes no livro Mas em que mundo tu vive? Desde o ano
de 2021, venho conhecendo o trabalho deste gigante da literatura contemporânea.
Leitura sem hora para acabar. Leitura para ostentar, conhecer as estratégias, o
processo criativo do autor.
Ainda hoje
vou ler alguns episódios da biografia de João Cabral de Melo Neto. Só por
curiosidade, compreende? Ao longo da semana, vou começar a reler O Livro das ignorãças, do Manoel de Barros, livro adotado na escola.
Fico muito
ansioso para esses momentos de leitura compartilhada, análise das obras
literárias. Aí, sem dúvida, vou com a caixa completa de ferramentas, pois eis a
deliciosa missão de apresentar aos meus heróis o contexto de criação e recepção
de um novo livro, a construção da protagonista, a imagem poética, entre outras questões relevantes da metalinguagem.
Ah,
sinceramente, espero que tenha ficado menos confuso o perfil de leitor-tartaruga.
Se falhei na proposta, perdoe-me, mas não caia no golpe do leitor-foguete. Boas
leituras!
PS: que tal ler pelo menos 02 livros por mês? Está bem, 01 livro, então. Bora?