– Não vá. Não vá ainda – disse a mulher, um pouco sem jeito, segurando meu braço direito.
Era véspera de feriado, desses prolongados, bom para reunir toda família. O posto estava vazio, gasolina nas alturas.
– O senhor deseja mais alguma coisa? – quis saber, olhando para o capô.
– Apenas isso por hoje.
Digitei a senha, recolhi o comprovante e enquanto ajeitava o cartão, a despedida inusitada:
– Bom feriado pra você e sua família!
– Pra você também. Ah, se tiver churrasco lá amanhã, fico aqui até às 14h. Cê vem me buscar?
Assim, ele encerrou o atendimento, com o sorriso mais escandaloso do planeta.
– Da próxima vez, o senhor vai abastecer com ele, certo? – indagou a caçula no banco de trás.
Caderno Azul
... farelos por aí ...
imagem: Pixabay
– Toda vez que foge, ele não vai pra longe.
– Que canto incrível! Há quantos anos não ouço o canto de um canarinho, meu Deus!
– O senhor sabe por que ele tá cantando assim, afinado, alto, de parar o quarteirão?
– Sei não.
– Em conversa de passarinhos, ele está chamando a fêmea. Por isso que esse canário sempre voltou.
Nessa hora, eu não sabia se apreciava o canto ou buscava entender a história de amor que o moço me contava:
– ... ele só vai se a companheira for.
Caderno Azul
...
farelos por aí ...
Crédito da imagem:
O seu Ronaldo ficou encantado com o par de tênis, o presente azul da garota de 12 anos.
– Vai ver que foi por conta daquela música All Star que o Nando Reis fez pra Cássia Eller.
– Na verdade, não. Eu vi no filme Eduardo e Mônica com minha mãe.
– Êta família pra gostar do Anos 1980.
Caderno Azul
...
farelos por aí ...
Crédito da imagem: Dan Cristian Păduret
A partir desta linha, não me leia.Eu preciso ficar esquecida nesta página.
Preciso ser encontrada como um ponto obsoleto na insignificância do cotidiano
Não venha encontrar sentido naquilo que escrevo. Você poderá se perder também.
É que estou cansada desse tabuleiro com peças marcadas, essa sinuca viciada, essa conversa de ponta de taco que nos leva ao lugar nenhum.
Começo a abandonar os sinais e os limites
da conversa fiada para adentrar o terreno das revelações.
Que droga de existência é essa que quanto mais a gente avança menos a gente descobre de que lado a vitória virá?
Foram tantas derrotas em tão pouco tempo que chego a questionar as cores desses ruídos na caixa dos falsos
Já não posso dançar beber não posso José de Drummond disse que Minas não há mais e que é o estado mais odiado da região Sudeste
Tô pouco me lixando pro que vão pensar de mim vou continuar batendo ponto ciente de que alguém vai ajudar essa desnorteada ainda nessa primavera
Não estou contando com a copa o trem fica ruim pra gente porque depende de como a seleção vai em campo não vou mentir pra senhora a gente precisa receber:
um sinal in antes
Querida Amanda Ribeiro,
há três semanas venho, de alguma forma,
me preparando para este momento. Por conta de tantos insights, os reels não
foram suficientes... (mas a gente vai continuar lendo seus versos por lá, viu?)
o lance é que sua Máquina dispara
muitos flashes e a gente sai criando cenas e séries e vem o desejo de fazer um
filme, será que você entende?
o percurso pelos “cômodos preferidos”
(imagine duas personagens escolhendo o cantinho favorito do lar), um close
naquele presente-lembrete, o bilhete do “bolso na calçada”, ao ritmo do jazz,
hein?;
e a poeta ali costurando a distância,
apresentando aos espectadores a instância ... em versos inquietos livres que
nem abelha zunando por tudo quanto é
parte da Floresta, beira e centro da cidade, memórias; o instante da palavra
aqui-acolá na cozinha, banho, quartos, na “casa de estar”. A essa altura, sua
cameragirl ficando louca:
– Tudo isso tá aí no livro? Como vamos
gravar esse filme?
– Fique calma, menina. A verdade é de
que de cinema quem entende mesmo é a Amanda Ribeiro, a compositora desses cantos.
– E o que você vai fazer?
– Aquilo que mais nos aproxima das
entrelinhas do labirinto da poesia.
– Já entendi, pai. Quando você vem com
essas paradas de estrelinhas... Só não sei se ela vai curtir.
Isso eu também não posso afirmar, mas
em segredo aqui (Amanda, a Cecília estava falando das leituras do seu mais
recente livro naquele Caderno Azul, lembra?)
Outra revelação: escrevo-lhe da cozinha,
após duas xícaras de café. E você não imagina o quanto estou contente com a
leitura de seus poemas, a satisfação, surpresa em cada esquina dos seus temas: o
amor, a paixão, o ir-vir-e-o-devir da epopeia sempre à disposição cotidiano e
que só as poetas e as cronistas captam (você).
Que maravilha ... quão mágico é
ser recebido nas três portas da sua casa-livro! As epígrafes nos acolhem com
tanto carinho que acabam espalhando a vontade de a gente explorar cada cômodo
no ritmo das estações do ano. Queremos ficar!
Pode lhe parecer um pouco confuso, mas
com o elegante parafuso de suas minúsculas na cadência gostosa das vírgulas –
tudo flui e evolui – os leitores vão sempre se encontrar no fuso de sua poética;
do olhar para o céu, deitadas em “repouso”, aos mil pastéis de queijo na pastelândia,
seus versos nos abrem janelas para o “infinito ... particular”.
ATENÇÃO! ATENÇÃO! Com este ensaio malucão,
acabamos de receber uma notificação: Ao ficar ciente do interesse em gravar um
curta-metragem, a editora Peirópolis informa:
“Máquina de costurar concreto”, de Amanda Ribeiro, compõe a “Biblioteca Madrinha Lua”, coleção de poesia contemporânea inspirada numa das mais importantes poetas brasileiras do século XX, a mineira Henriqueta Lisboa (1901 – 1985). Este projeto é coordenado pela professora e escritora Ana Elisa Ribeiro.
Há quase vinte e seis semanas não escrevo uma daquelas migalhas. Com isso, as narrativas foram se desenrolando apenas nas páginas da minha cabeça.
Só que chega um momento em que as memórias precisam tomar d'água, precisam disparar uns suspiros contra os ritmos da velocidade.
Porque há a velocidade que traz o atropelo das ações mecânicas, na planilha do vazio. Dessa velocidade, tenho trilhado distância.
E na contramão desse cotidiano veloz, a redescoberta: a leitura e a escrita ora me desviam para a parede da memória; ora para o catálogo das preces.
Nesses lugares, eu preciso da escrita como as ideias precisam se vestir para o enredo das histórias invisíveis, ainda não publicadas.
... farelos por aí ...
Queria ir embora pra Pasárgada
Assim como Manuel disse ir pra lá
Queria ir embora pra Pasárgada
Onde a existência é aventura
Ele é amigo do Rei
E eu serei um novo alguém
Queria ir embora pra Pasárgada
Lá tem aves a cantar
Mulheres a cortejar
Queria ir embora pra Pasárgada
Lá não há espaço pra me matar
Ou até mesmo pensar em me matar
Quero ir embora pra Pasárgada
Aqui o peito dói
E a chuva cai sob meu olhar
Quero ir embora
Pra onde não tenha dor
Quero ir embora
Talvez não para Pasárgada
Quero ir embora
Quero ir
Pra um lugar onde penso em descansar
Scout
O poema e o desenho são de Scout, estudante da 3ª Série do Ensino Médio. A composição dos versos foi realizada, após o contato com a obra Libertinagem, de Manuel Bandeira.