Meu pai começou o dia ouvindo Bach. Quando isso rola, tá pegando algum lance grave aí.
O que será do futuro dessa menina?
Que Deus a abençoe! Porque a julgar por agora, há dificuldade para descrever as
atitudes da criança. Para se ter uma ideia, ela jamais aprovou o termo
pré-adolescência.
Lá pela casa dos dez anos já
era fã do Queen, mas nunca negou o gosto pelos clássicos da música: Chopin,
Mozart, Bach e Beethoven.
Quando o assunto é livro ou
filme, seu gênero favorito é a biografia. Adora saber dos bastidores da vida e
da obra dos artistas. Com isso, sempre deixa escapar algumas curiosidades nas
reuniões familiares.
Por falar em família,
recentemente, a menina aprontou uma boa com o pai.
“Vai chegar um livro que a mamãe
comprou na internet. E é você quem vai ler para mim.”
O pai, coitado, um pouco
encantado com a disposição das duas, ali sem entender nada, soltou um “Está bem”.
A menina já tem doze anos e podia ler sozinha, não?
“Segundo o autor, o livro é dedicado
aos pais. É para você estudar e aplicar os conceitos que estão lá. Você não vai
se arrepender”.
Não vem ao caso indicar o nome
do livro; mas é com orgulho e gratidão que o moço vai explicitando os conceitos
do tal livro para a filha. Para isso, ele vem aproveitando as tardes de sábado.
A menina, a cada encontro, vem
registrando as lições no caderno vermelho. Dizem por aí que até na segunda e terça
de Carnaval, os dois estavam discutindo o comportamento de alunos e familiares
que não dão a mínima para os professores.
Pelo visto, desse capítulo aí
que eles estavam estudando, foi um folião de ideias. Com licença, vou ter que
parar de escrever, pois ela acabou de me chamar na sala: “Vem logo, pai. Quero
que você veja a budista que falei outro dia”
...
farelos por ...
Na tarde
do último domingo do mês, estive no Parque Amendoeiras, a convite da Yara e do
Henrique. Guarde bem esses nomes.
Fui ao parque na categoria de ouvinte. Colei lá para conhecer de perto um dos
projetos desses dois líderes da nossa quebrada.
O que rola? Todo último domingo do mês, eles se reúnem no parque para uma troca
de ideias sobre Filosofia. Isso mesmo que você leu. De forma leve,
descontraída, muito gostosa, eles coordenam um Clube de Leitura com foco na
Filosofia.
A partir do livro lido no mês anterior, livro que o participante escolheu
(reforço), ele expõe suas ideias, impressões para o grupo. Tudo isso sem perder
de vista o diálogo da Filosofia com as questões da atualidade, dos nossos
tempos. Entendeu?
Um tecido sobre a grama, os livros à disposição dos frequentadores do parque;
no canto uma sacola com lanches. Para cada assunto que desponta, os nossos MCs
têm uma preciosa sugestão de leitura: “Este livro aqui trata desse assunto,
nele você vai..."
Yara e Henrique, que projeto massa! Como é bom poder conversar assim sobre
Filosofia! Assim sem frescura, sem aquela abordagem enfadonha das academias. Como
é rico estabelecer diálogos com outras áreas... ter os filósofos conosco bem na
miudinha, tomando uma xícara de café, no final da tarde. Vocês nos representam.
Foi minha primeira vez e, claro, peguei um livro de ensaio: o título que
estampa este post. No final do mês de março, voltarei ao parque para
compartilhar as impressões e estabelecer conexões com a Filosofia.
Yara e Henrique, mais uma vez: meus parabéns! E vamos que VAMOS espalhando leituras por aí, parceiros!
...
farelos por aí ...
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Contagem, 19 de fevereiro de 2022.
Querido(a) aluno(a) da professora
Marílhia Barros, é com muita alegria que lhe escrevo.
Primeiro, deixe-me apresentar: meu nome
é Alfredo Lima, sou o autor do livro “Garimpo das bolhas de sabão” que você vai
ler em breve. Ou será que já está lendo?
A respeito do livro, a gente pode
conversar depois. O que você acha dessa ideia?
Bem, além de escritor, eu também sou
professor, produtor cultural, pai de duas garotas mais novas do que você. Minhas
meninas têm nome de escritora e poeta.
A caçula se chama Clarice e tem 06 anos.
Já a Cecília tem 12, mas é quase do meu tamanho. Segredo nosso aqui: graças a
Deus elas puxaram a mãe em tudo, inclusive na beleza (risos).
Por falar em segredo, tenho que lhe revelar
uma coisinha: é a primeira vez que escrevo cartas para meus leitores. E quer
saber? Eu estou adorando essa experiência de poder conversar com você, antes
mesmo de a gente se conhecer presencialmente. Isso não é muito legal?
Escrevo-lhe no meio da manhã de um sábado
com o céu à espera de mais chuvas. Tem chovido muito em Ouro Branco? Escrevo-lhe
essas linhas depois de um treino de rua.
Ah, já ia esquecendo de lhe contar outro
segredinho: estou apaixonado pelas corridas de rua, desde o ano de 2018. E tudo
começou por conta de um desafio que a Cecília me fez. (Um dia lhe conto).
Nossa! Que carta enorme que ficou! Eu
escrevi demais. Você me perdoa pelo tamanho do texto?
Se leu até aqui, muito obrigado! Se
quiser responder alguma pergunta dessa carta, sinta-se à vontade. Utilize a
parte dos comentários.
Um forte abraço,
Janeiro
A menina sem palavras, Mia Couto
A vida íntima de Laura, Clarice Lispector
A vida que ninguém vê, Eliane Brum
Filó & Carijó, Marismar Borém
Galiléia, Ronaldo Correia de Brito
Metamorfoses, Flávia Côrtes (et al)
Os Supridores, José Falero
Torto Arado, Itamar Vieira Junior
Para Júlia Macedo
Nesses últimos dois dias acordei mais tarde, sem nenhuma dor na inconsciência das tarefas que também necessitam de pausa, descanso.
A caminhada pode ficar para o dia seguinte. Que a gente desconte na bike e fortaleça os joelhos. Que as responsabilidades tirem uma soneca regada a música instrumental.
Só para constar: hoje é domingo, 10 de outubro de 2021. Na Grande BH o clima está mais para o Natal antecipado do que para tão aguardada Semana de Outubro.
Nesse momento, estou exercitando uma das coisas que mais aprecio na vida: escrever. Uma escrita sem o calor inquieto da entrega, sem a responsabilidade do tempo. Apenas com a preciosa missão de não servir para nada, de ser inútil aos leitores. A escrita sem pretensão, aquela que não foi encomendada, despojada de qualquer interesse de quem a inscreve no azul-água da página, companheira do cotidiano.
Agora, leitor, repare bem que na escrita até errando a gente acerta. Até não procurando a gente encontra. Veja que esta página de diário começou falando de cosias insignificantes, quebra de hábitos, atmosfera do feriado e de um monte de ideias despejadas sobre a escrita ordinária.
Veja bem, leitor(a), ao final do quarto parágrafo: a página é uma companheira do cotidiano! Só aí entendi a necessidade desse registro aparentemente aleatório. Enquanto não dou sequência aos projetos da vida de escritor ou dou uma pausa para as atividades escolares ou ainda solicito silêncio aos projetos, a minha companheira quer saber o que se passa, as ideias precisam deitar-se nas linhas da esquina do vento.
Uma das magias da vida do artista é que nunca se sabe de qual rua sairá a ideia para continuar o percurso da criação; mas "os ventos sempre apontam a direção". Para isso é preciso estar na esquina sempre. Estar na esquina é se preparar para o imprevisto, é acender a luz quando ainda não há escuridão, é preparar a lenha para todas as estações, é sentir o cheiro das refeições antes do imperativo da fome. Porque o sabor do prato está muito antes de seu preparo, flerta com o registro dos ingredientes da receita.
Estar na esquina é ouvir o ritmo distinto que representa a múltipla velocidade da vida, nos passos dos pedestres, no ronco dos ônibus lotados, na busca das pessoas em carros particulares ou nos aplicativos que reclamam da alta dos combustíveis (quem não reclama?)
Estar na esquina é demonstrar amor e carinho à página do cotidiano. E isso a gente faz... escrevendo.
... farelos por aí ...
O retorno ao Ensino Presencial possui – entre muitos ângulos e desafios – uma perspectiva que flerta com o cômico.
Começando pelo uso da máscara:
recordo-me que no primeiro horário do dia, eu não enxergava os alunos: óculos visivelmente embaçados.
Para alguns estudantes, eu parecia um fantasma perdido de costas para o quadro branco.
Lá pelas tantas do sexto horário, 12h15, uma aluna muito gentil me instruiu:
– Farelo, coloque seus óculos bem na ponta do nariz, assim não terá problemas.
E não é que está funcionando até hoje?! Embora fique com a aparência do célebre professor Pardal... tudo bem. Resolve. Muito obrigado, querida L.S!
Seguimos com os abraços contidos:
vira e mexe surgem uns alunos lá do século passado*, gritando desesperados, felizes pelo reencontro, já chegam com os braços esticados para o abraço.
Seguindo os protocolos, grito mais alto ainda: a aglomeração! Cuidado com os contatos! Vamos deixar isso para depois, gente!
Felizmente nossos alunos respeitam, a gente conversa e mata a saudade pelos sorrisos do olhar.
E tem os novatos! Deles a gente só conhecia a voz:
– Fala, Farelo! Bom demais?
– Acho que você não está me reconhecendo.
Claro que não, às vezes, tive vontade responder. Você usava um avatar na plataforma, meu querido.
Ah, depois de tanto vexame, sentindo-me em outro planeta, resolvi adotar a seguinte estratégia: “Quem é você?”
Se algum colega ainda não usou essa técnica, vai por mim: funciona.
Uma última curiosidade, se a crônica permitir. De tanto subir e descer escada, andar pelo colégio, parar de comer toda hora, vamos chegar bem ao verão.
Aos poucos, a gente vai se adaptando aos exercícios de desaprendizagem, como bem disse vovô Manoel.
O que você me conta desse retorno ao Ensino Presencial?
* século
passado: modo carinhoso
a que me refiro ao período anterior à pandemia.
... farelos por aí ...
Quanto menor a letra, mais firme a convicção: a escrita abrirá outros poros na areia da existência.
Vem o vento e
tampa os buracos e muda a estação e eu não estou nem aí para as sábias mudanças
previstas no Calendário dos Previsíveis.
Já disse e
repito:
– Curto mesmo são as frases da lua, as orações do ano e, principalmente, o intervalo em que as andorinhas encontram os pardais, ao fim do dia, para conversar sobre as migalhas do caminho, o farelo cinza dos fios elétricos.
Caderno Azul,
2021.p.44
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