Não consigo parar de escrever
diariamente. Não falo da escrita das crônicas semanais, dos contos eventuais ou
dos capítulos das novelas juvenis que componho.
Falo da escrita em si, sem adjetivos,
com propostas distintas. Agora entendo o porquê de há sete anos ter passado 365
dias escrevendo de forma ininterrupta.
Seria isso uma maldição? A última coisa
com que me importo nessa vertigem é com os leitores. Perdoe-me, caso você tenha
lido esse texto por um acaso na rede. Fique à vontade para comentar o que
quiser.
A verdade é que sempre escrevemos para
nós mesmos. A gente escreve porque não suporta tantas ideias tomando conta de nossas
vidas. É para se livrar das impressões, dos horrores que não contamos para
ninguém. A novela que escrevo agora é para deixar de me aborrecer com uma
pessoa próxima. Vou escrever para esquecer essa pessoa ou aceitar que ela nos
ame de um modo assim diferenciado. Sei lá...
Gosto de escrever e tenho consciência de
que esse ofício por mais insignificante que seja oferece risco, aprendi com o
poeta Armando Pereira Filhos:
“Ao escrever, estamos sempre muito perto do fogo”.
Ando
exausto. Um professor em dúvida sobre a ceia de Natal e as aulas de despedida
nos dias 21 e 22 de dezembro, com Conselho de Classe agendado para o penúltimo dia
do ano. É a real....
Antes
disso, reunião com a equipe de um Sistema de Ensino no sábado pela manhã. Não
reclamo, é só o cansaço de todos os profissionais da Educação, mas que ninguém
tem a coragem de mencionar, de falar. Com você, eu tenho.
Como
leu no início da semana, caro D, a rotina do lar foi para os ares com o teste positivo
da Covid-19. Está lembrado? Dificilmente vamos esquecer esse episódio.
Muitos
dos companheiros foram desligados da empresa, logo do início da semana. Essa
notícia mexeu com todo o corpo docente, abalando-o. Dói.
No
blog rolou a publicação de narrativas da série “Banquete dos sentidos”, uma
entrevista com o músico Marcus Vinícius de Souza e mais recentemente a “Migalha
de quinta”.
Agora,
o corpo quer voltar para a rua. O corpo está pedindo a corrida, a caminhada já
não me satisfaz, não dá conta de vencer a barriga. E a bichinha está esticando
em uma proporção considerável.
É
preciso também retomar as leituras sistemáticas e ... o mais urgente: escrever.
Estou envolvido com uma narrativa breve que há uns nove meses vem arrancando
uns calafrios, tessitura de arames, muitos espinhos na língua das feras que
terão que cuspir enzona.
Assim
que rolar algum progresso em uma desses verbos – Ler / Escrever / Correr (LEC)
– volto aqui para compartilhar. Darei um tempo
para o excesso da rede, inclusive para os posts com fotos.
Eis uma das façanhas que
só as mulheres conhecem e conseguem praticar com desenvoltura, maestria.
Para mim, uma descoberta?!
Descobri? Aliás, passei a
por sentido, a lançar um pó sobre aquelas ações todas, muitas vezes, invisíveis
em muitos lares brasileiros. Confesso que isso tudo só me ocorreu por conta da
pandemia. Uma lição. A necessidade.
Eu descobri. Assim,
sinceramente... posso dizer que serei um eterno aprendiz, mas isso importa e
festejo a descoberta em si.
Eu descobri que para
cumprir as tarefas, as obrigações que nos consomem, somem com nossas energias,
as mulheres brilham no “Jogo do Enquanto”.
Ah, para você entender,
apresento-lhe meus primeiros passos, após a caminhada diária:
enquanto a água do café ferve,
tiro o carro da garagem, volto e preparo o coador, o filtro, coloco uma colher
de pó. Enquanto o café está sendo coado, exalando o cheiro que desperta todas
as manhãs que ainda moravam em meu corpo, ouço uma canção sagrada de Bach;
enquanto lavo as vasilhas
do lanche ou jantar da última noite, ouço uma série de conversas sobre assuntos
do universo da sexta arte e sonho um dia me encontrar disponível às ideias
desprezíveis do mundo da pressa;
enquanto os outros
moradores buscam se atualizar diante dos noticiários tão monótonos, tão
marrons, verifico se os protocolos das aulas daquele dia estão corretamente
preenchidos, leio as mensagens que nos chegam em caixas.
Eis um pouco das manhãs!
Acredito que não seja assim difícil esboçar meu desempenho no “Jogo do
Enquanto”, ao longo do dia; mas lembre-se de que sou um aprendiz.
Por que temos dificuldade
de reconhecer que esse jogo é real? Por que o tratamos como arranjos
invisíveis, dentro de uma casa?
Quero continuar aprendendo
a respeito desse jogo. Quem sabe a escrita não vai me ensinar?
Salve! Salve! É com muita
alegria e satisfação que venho compartilhar um pouco da prosa que tive com o poeta
e músico Marcus Vinícius de Souza, que está lançando o EP “Todo tempo é TEMPO”.
Confira a seguir a entrevista que fiz com o artista, dentro do quadro Farelo
7.
Marcus Vinícius,
primeiro, muito obrigado por aceitar o convite para essa entrevista aqui no meu
blog! Para começar, gostaria que falasse um pouco da sua relação com a música.
Quando você se despertou para essa linguagem artística? Esse primeiro contato
surgiu na infância? Você foi influenciado por alguém da família?
Desde
criança, ouvia muita música em casa e na rua. Meu pai era músico da Polícia
Militar e um dos meus irmãos estava começando as primeiras aulas em uma banda
comunitária do bairro Santa Cecília, em Barbacena, minha cidade de nascimento.
Conhecemos o Marcus
Vinícius saxofonista, o professor da área de Linguagens, o poeta, autor dos livros
“Ecos de uma escrita” e “Etymon”, lançados respectivamente em 2018 e 2019 pela
editora Ramalhete. E agora, estamos conhecendo o cantor e compositor. O que te
levou a compor e cantar?
As
composições, as primeiras, nasceram muito espontâneas. Tinha aulas de violão
com o Beto Lopes e, a cada semana, praticamente, escrevia uma canção. Desse
processo, saíram seis músicas, duas delas em parceria com esse querido amigo. O
cantar veio no início da pandemia. Senti essa necessidade de me expressar
também pela voz, pois era um instrumento pouco utilizado por mim. Na verdade,
não achava que tinha voz para cantar, porém isso mudou com as aulas de Paula
Santoro e hoje estou e aprimorando nessa expressão.
É impressão nossa ou o
lançamento do livro-disco “Etymon” foi uma espécie de centelha para a origem do
Marcus cantor e compositor? Conte-nos estudo, não esconda nada (risos)
Foi sim, mas
principalmente o show de lançamento. Naquele momento, foi a primeira vez que
estava à frente de um público não mais acompanhando um artista, mas conduzindo
um trabalho, um show autoral. Me senti muito bem fazendo isso. Então, percebi
que a música para mim é uma necessidade de alma. Hoje sinto que tenho alguma
coisa pra dizer, pra expressar através dela. Essas seis músicas, inicialmente,
comecei de forma despretensiosa, mas percebi que elas tinham um recado a dar.
Então, me apliquei fazer cada letra, melodia ou harmonia de forma ainda mais atenta
ao que cada canção “pedia”.
Marcus Vinícius, o
processo de criação de um EP leva em conta muitas etapas. Você pode nos revelar
alguns segredos dos bastidores da criação/gravação das músicas que fazem parte
desse projeto?
Na verdade, iria
gravar apenas as duas canções que fiz em parceria com o Beto. Lancei as duas
como “single”. Um mês depois animei a gravar mais duas e lancei uma delas
também no formato de “single”. Aí pensei, bom! Estão faltando só mais duas para
terminar o EP...
O processo é
muito intenso. Gravar num estúdio de alto nível, acompanhado de ótimos músicos,
dá um frio na barriga, até porque era a primeira vez que ouviria a minha voz em
uma canção. Foi um processo de muitos sentimentos misturados. No final, ufa,
consegui! Todos os envolvidos se empenharam demais e me deram confiança para
fazer este EP, “Todo tempo é tempo”. Ah, só pra registrar que o Marcksofone
aparece neste EP também.
Na parte da
composição, percebi que as três primeiras músicas abordavam uma leitura acerca
do tempo, então resolvi escrever mais três que tratassem deste assunto e fechar
um ciclo de seis composições que estão tematicamente interligadas.
Quais foram os desafios
para produzir o EP “Todo tempo é Tempo”, no ano da pandemia?
Certamente, a
questão financeira era uma preocupação, visto que banquei todo o projeto. É um
investimento de longo prazo. E, num contexto de pandemia, ficava a dúvida se
era o momento de ter essas despesas. O outro desafio era pessoal. “Será que
está na hora de gravar estas músicas e lançar em formato digital e sem show de
lançamento? As pessoas já estão um pouco enjoadas de vida virtual”, me
questionava.
Quem te acompanha nesse
projeto, Marcus Vinícius?
Beto Lopes,
que além de participar como músico, fez os arranjos, direção e produção musical;
Lincoln Cheib na bateria; e a Paula Santoro, que fez uma participação especial
em “Vidas Ciganas”, além da minha preparação vocal. A parte de mixagem e
masterização foi o Ricardo Cheib.
Com uma equipe tão
talentosa dessas, tenho que perguntar: como você está se sentindo nessa semana
do lançamento?
Muito feliz
de poder conseguir levar esse trabalho adiante e naquela expectativa para saber
aonde essas músicas vão chegar.
Marcus Vinícius, mais
uma vez quero te agradecer por fazer parte do quadro Farelo 7, aqui do blog e,
claro, parabenizá-lo pelo mais novo projeto. Para fechar, gostaria que
indicasse e comentasse um trecho de uma das composições do EP
Gostaria de
destacar um trecho de “Vidas ciganas”, essa música que escrevi pensando no
tempo ligado ao nosso tempo socialmente falando.
“[...]
Vida que afana
Vidas
ciganas
Corpos
que vão morrer
Elos tão
frouxos
Lábios
tão roxos
Tempos de
insolidez
Vozes que
não se escutam
A não ser
pela fala abjeta e ter
Sempre
razão na conversa que
É escudo
escuso pra se defender
Mas se
importar para quê?”
Essa canção
trata do valor nulo ou quase nulo que a vida humana possui nestes tempos, do
apagamento do outro, bem como dos elos humanos construídos pela perniciosa
conveniência. Nesse sentido, expressa-se arrogância humana, que só dá ouvidos à
própria voz e, pior, reprime e reprova o outro, como se este não tivesse
direito de expressão. Nessa letra, o
tempo foi construído por meio da indignação frente ao individualismo, à
intolerância, aspectos que caminham na contramão do que, de fato, é ser humano.
Os ciganos foram povos migrantes duramente reprimidos e mortos, assim como
outros povos e, hoje, de alguma forma, quase toda a humanidade.
Enquanto aguardamos o
lançamento do EP, minha sugestão é: confira o teaser do projeto, neste vídeo:
– Veja bem, meu amigo, como essa deusa nos sorri! Bela amante e sinuosa. Como eu a
amo!
Grita o homem alinhado, com seu terno branco
leite, a seda cai muito bem ao corpo negro e forte, fica em riste o peitoral
jovem. O lenço vermelho tem um caimento impecável, o chapéu se posiciona sobre
os fios, enrolados pretos fios. Os sapatos, embora gastos pelo samba jambo, se
vão polidos, andarilhos cansados. E o odor? Exala jovialidade marginal, perfume
manga rosa que a Europa não há de comprar! Já não era mais o cargueiro da
manhã. Era um príncipe da mocidade, sorriso cálido e gentil.
– Bate palma, meu amigo! Que hoje o banquete é
de se fartar!
Ia lá ele, por vielas velhas, ruas mortas e
vivas, negras e brancas, boêmias e egocêntricas. Cantando uma cantiga de
malandro, algo como “laralauê larauê lará”, um sambinha mole como as conversas
que ele levava às moças de alma virgem.
– Um banquete, meu amigo! Todas as moçoilas trajando seus vestidos apertados, suas saias bufantes que submergem o canal dos
anjos, seus seios comprimidos contra o marfim daqueles espartilhos! Meu amigo!
Aqueles pezinhos doces, aqueles colos cheirosos. Compadre! Que banquete! Os
lábios frágeis, hein! A espera de um grande amor para segredar seus maiores
medos e malícias! Jorge que mora na Lua sabe! Como eu as amo! Todas elas!
Maria, Carolina, Eugênia, Angélica, Sebastiana, Catarina, Fátima, Camila!
E lá vai ele, sambando com seu terno leitoso
de seda pelas ruas dos amantes, amando todas e nenhuma, saboreando a madrugada.
Chester,
salada e os acompanhamentos. Acho que tenho tudo que preciso. Os doces ventos
da cidade tecem o porcelanato singelo que é essa Lua cheia.
O
orvalho crescente transcreve lindas canções nos carros dessa mundana área
comercial.
Enfim,
cheguei em casa; minha áurea transmitia cor azul ciano, como se nada pudesse me
atrapalhar.
O
som da chama do meu fogão parece dançar com minha alma, em um dueto de balé.
Começa a chover. Ó doce chuva, que hidrata os grisalhos cabelos da minha avó,
gotas que percorrem o casaco do meu precavido tio e criam poças para meus
pequenos primos pularem. Parece até uma canção.
Seria
eu um bardo? Enfim, todos à mesa. Começo a fatiar a alface, que desliza
suavemente pela lâmina da minha faca; alface guerreiro, passou a participar na
dança do meu espírito.
Chester
cozido, tão corado quanto o Sol ao se despedir dos céus, dando espaço para a
crua Lua. Tudo posto à mesa, hora de degustar a comida ao comando do luar
profano daquela noite. Tudo à perfeição, minha família clama por um bis, assim
como eu clamo para que meu espírito encontre a Lua.
Doce e amarga tarde de domingo em que o sol se alastra como
uma mancha, acidentalmente, deixada no céu, por um pintor desatento e ansioso
para finalizar sua obra prima.
A maçã pôtrida em decomposição no cesto de
frutas se assemelha tanto a esta tarde de domingo, que se esvaieia com o tempo
como o envelhecido e desgastado fruto proibido, consumido por seres
irracionalmente pensantes que anseiam viver.
As leis naturais não os permitem
perceber que para essa magia acontecer devem consumir lentamente a vida de
outro ser. Sentiriam pena dela se entendessem que estão comendo-a viva??
Quanta humilhação, pobre pálida maçã. A casca escurecida do fruto,
delicadamente tecida pelos putrefantes microrganismos, simultaneamente à noite
escura que se levanta sem pedir licença, ou sequer nobre permissão, para o Rei
Sol.
Não há divisão, ou dualidade, somente um único ecossistema.
–
O mundo vai acabar daqui a pouquinho, cê vai ver e ouvir.
–
Vamos dormir, criatura. Uma chuva gostosa dessas e cê vem me acordar com o fim
do mundo?
–
Antes dessa chuva gostosinha, rolou um vendaval dos diabos que parecia o
anúncio do próximo dilúvio.
–
Ah, cê tá vendo muita televisão. Vamos dormir?
–
Estou pensando como evitar o fim do mundo e isso a gente faz acordado, não?
–
Então... tá, boa noite!
–
Ela... vai ser assim ... ela vai mexer na cama e encontrar o Botas, vai fazer
carinho na barriga dele. O Botas? Cê nem presta atenção nessas coisas, né?
Botas é aquele macaquinho de pelúcia, que tá lá do lado do travesseiro dela.
Quando abrir os olhos e não perceber que seu novo companheiro não está lá,
pronto!
–
?
–
O que aconteceu? Ele simplesmente se esborrachou no chão e se espatifou
todinho.
–
NÃO! É verdade isso? O que a gente comprou na última tarde?
–
Ó, pensei que já estivesse dormindo. Não estava querendo apreciar a “chuvinha
gostosa”?
–
O mundo vai ficar pequeno. Ela vai gritar e acordar os vizinhos do prédio
inteiro. Minha nossa! Como aconteceu?
–
O vento foi muito forte. Nem com aquela barriga saliente e o peso do saco de
presentes, o velho conseguiu enfrentar o vento dessa noite.
–
Meus Deus! E agora?
–
Vamos ter que bolar um plano antes da nossa filha acordar. Vamos pra perto da
cama dela.
–
Assim, talvez, a gente diga: “Filha, sabe aquele Papai Noel bonitinho que você
ganhou ontem e estava dentro daquela bola de vidro transparente? Bem, fofinha,
nessa noite, ele...