Por longas semanas fiquei sem irrigar a terra da criação de histórias. Juntei três espécies de adubo que encontrei na beira da estrada da Obrigação e foi ficando nisso até que um dia:
– Esterco no saco de linhagem apodrece, menino. Tem
que botar em volta do pé, a planta agradece – raiou Tina.
De tempos em tempos, ela olhava para as ervas
daninhas saindo no tapa, disputando a derrota das verduras, mas quase nada
dizia.
– Quando cê criar coragem de enfrentar esse mato vai
dar valor à terra desse pomar.
Morava uma verdade naquela insistência. Pena que
demorei para reconhecer o tom com que Tina falava.
– Não adianta contratar nenhum jardineiro ou
lavrador. Cê que tem de deitar a enxada aí.
Além de ser dona da verdade, Tina dificilmente perde os frutos de uma semente lançada no solo de nossas ideias. A mulher tem sabedoria de rainha. Foi assim que frutificou decisões importantes na vida do Branco, quando o moleque desistiu lá de tirar a carta de moto. E do outro filho, com uma única pergunta, o abandono definitivo da bebida.
A relação com a terra exigia novas experiências sensoriais.
O canto do sabiá-laranjeira aguardava os ruídos da destruição, o bico voraz do
jacu que ia levando de eito o último canteiro da hortaliça guerreira.
O alecrim silvestre, preguiçoso no galho,
desanimava-se para a transformação em vassoura e espalhar seu perfume no
terreiro. Assim, as plantas, os bichos todos acenavam para o fim, de menos a
terra.
Tina sabia mais do que ninguém: “isso não pode
continuar assim.” Sentamo-nos à mesa para um suco e ela prometeu que me
ajudaria a recuperar boa parte da plantação. Ainda estava em tempo.
– Cê precisa dos frutos dessa terra, carece de
enredar as histórias. Cê num aprendeu outras formas de lidar com as agruras da
vida, menino.
Aos poucos, de muitos cantos de louvor à terra, seguindo
as instruções daquela senhora, alfabetizei-me nas fases da lua, ouvi as linhas
e os segredos do plantio, a aguar as sementes em cada ciclo. E só muito tempo
depois é que penso ter chegado à festa da primeira colheita.
– Das lições sobre a terra das histórias que aprendi com a senhora, passo a ver minha jornada como uma flor de acerola. Aparentemente mínima, invisível, porém responsável por três temporadas de frutos no ano.
– Cê já pode se preparar para a próxima estação. Tá
pronto pra voltar, menino. Tá pronto!
0 Kommentare:
Postar um comentário